A ideia de beleza, seja em que forma for, quando descoberta na cabeça há que arrancar nem que seja uma parte, com a unha ou a ponta mais redonda da caneta, como quem deseja limpar-se da cera dos ouvidos ou dos macacos do nariz, e executa com o talento que lhe é devido o movimento de extração, contando arrancar para fora algo magnífico, no melhor cenário – bastante improvável – a totalidade da coisa interior. Tudo o que tem dentro de si finalmente exposto, para a tão ansiada análise mergulhada num silêncio de isolamento dada a privacidade do gesto.
Nunca sai verdadeiramente tudo, e o que sai ou é insignificante, desfaz-se desaparecendo entre os dedos logo ao primeiro toque, ou é algo que se revela desinteressante ao fim de algum tempo.
O pior é que se cola a nós. Assim que assenta os pés na terra, num estar de dedos reduz-se a sujidade. Os dedos responsáveis, também responsáveis ficam por se libertarem da aberração, pelo menos nisto se faz justiça. Roçam-se vigorosamente uns nos outros, dedo com dedo, dedos com calças, dedo com tudo o que esteja ao redor. Por fim, quando se vêm livres do excremento, permanece a possibilidade de um reencontro, um reaparecimento na pior altura, e consequente denunciação da imundice que se sé.
Um dia estamos sozinhos, completamente sós, finalmente sós, a convalescer de uma qualquer doença, ou até mesmo em pleno estado enfermo. De entranhas inflamadas, químicas, acidezes e temperaturas aos azeites, espirramos o espirro catártico, olhos devidamente selados durante a explosão, e reabertos ao mundo para testemunhar, a repousar na mão levada à boca intuitivamente por boa educação, o extraordinário em plena completude. Mesmo fugaz, é um alívio, a leveza do esvaziamento.
E poder escrever acerca do que se tem nas mãos; Muco é certo, repugnante quando visto de fora sem um tratamento bem letrado. O trabalho do escritor é – também – dar um tratamento ao muco. Escrever para tornar o muco alheio no muco de todos, pronto a consumir. A cura para a doenças é feita da doença.