Antunes era um homem sem qualquer talento. Quando olhava à sua volta e via como isso o prejudicava, chateava-se e zangava-se com os outros por ele ser assim. Um homem, tenha talento ou não, tem de ganhar a vida, então Antunes fez-se à vida. Perguntou como se fazia, disseram-lhe que normalmente vai-se ali, ou acolá, e começasse a trabalhar. Antunes ficou convencido quando soube que foi assim que fulano tal e tal o fizeram, e agora até que estavam bem, na vida. Não foi logo à primeira, nem à segunda, mas finalmente à terceira disseram ao Antunes que podia ficar. Antunes ia começar a trabalhar. Disseram-lhe que fizesse tal e tal, assim e assim, que levasse daqui para ali, de volta caso fosse preciso. Antunes perguntou “e depois”. Fez-se um silêncio, finalmente responderam que depois eram duzentos euros. E assim foi, quando assim é fica-se sem saber se não se fazia por menos.
Antunes esteve satisfeito algum tempo, sem fazer perguntas, porque as tarefas ocupavam todo o seu pensamento. Quando se acostumou às tarefas, e estas passaram a ser feitas quase sem pensar, Antunes começou a pensar, e começou logo por pensar nas tarefas. E houve uma discussão:
“Então eu faço isto tudo, por duzentos euros?”
“Se quiser não faça, eu tenho quem as faça até por menos.”
“Não é pelo dinheiro”
“Então o que é que quer?”
O que Antunes queria era um talento, e com ele ganhar a vida. Mas como não lhe servia de nada admitir aquilo, pediu um aumento, e ficou chateado e zangado quando não o deram. E lá continuou a trabalhar, chateado e zangado. Não era o único. O que se faz com o Antunes? Dás-se-lhe um aumento? A alguém como o Antunes? Sem talento. Como? Se não há dinheiro.